domingo, 31 de janeiro de 2010

O poder nas relações...





Fonte: Jornal Estado de Minas
30 março, 2008

"Tenho um amigo que adquiriu muito poder nos últimos dois anos, e a partir daí parece outra pessoa. Tornou-se arrogante, parece ter o rei na barriga e trata mal as pessoas. É verdade que o poder corrompe?"
Não. O poder não corrompe ninguém. O poder revela a pessoa. O amigo do leitor acima já era arrogante, já era megalomaníaco e hostil às pessoas. Apenas não tinha o cenário defensivo e protetor que o poder parece proporcionar. Ele já andava com chicote na mão, só não tinha coragem de bater. Ninguém perde a simplicidade, o respeito e o amor de uma hora para a outra. Essas virtudes, quando verdadeiras, têm raízes profundas em crenças e valores adquiridos em uma longa trajetória da vida. A simplicidade é conseqüência natural de quem se acostumou a ver a realidade tal qual ela é. Para quem sabe que a vida humana é transitória, que todos são semelhantes, que é falsa a idéia de que existem pessoas superiores ou inferiores às outras, é impensável acreditar-se melhor ou pior do que alguém. Cada pessoa é única, tem diferenças, mas enquanto é semelhante ao outro. A própria idéia do poder nos foi ensinada de maneira distorcida. Ensinaram-nos erroneamente que ter poder é exercê-lo sobre as outras pessoas. É mandar e desmandar na vontade dos outros. Daí ser comum aos detentores de algum poder, seja financeiro, político ou religioso, resvalar para o autoritarisno, para o controle, para a dominação. Poder é a capacidade de transformar a realidade. Nesse sentido, todas as pessoas têm poder, varia apenas de intensidade, de alcance e da capacidade de exercê-lo. Um oleiro, ao transformar o barro em vaso, um artista ao pintar um quadro, um governante que atua na mudança de vida de população têm poder. Desejá-lo, lutar por ele, nesse propósito, é salutar. Cada pessoa deve aumentar ao máximo seu poder de criar, participar e transformar a realidade. O poder selvagem que exige obediência, submissão e aniquilamento do outro é uma distorção adoecida na relação com o mundo. A máxima famosa "Manda quem pode, obedece quem tem juízo", tão difundida nas organizações, é um exemplo disso. A raiz dessa distorção é histórica. Nossos ancestrais bárbaros, na Idade Média e mesmo na Revolução Industrial, consagravam o dominador e o dominado como referências fundamentais das relações humanas.
A violência doméstica contra as mulheres, os castigos corporais aos filhos, o assédio moral nas empresas, as aberrações políticas, o desrespeito à autonomia de cada país, as invasões armadas etc. mostram como ainda estamos longe do exercício amoroso do poder. Temos, entretanto, evoluído, e cabe a cada um de nós repensarmos nossa concepção de poder e suas conseqüências nas relações.
Por que tantos casamentos fracassam? Por que tantas relações ditas amorosas se tornam hostis e cheias de ódio? Exercício inadequado do poder. E qual a origem disso? Toda conduta orgulhosa, megalomaníaca, de desprezo e desrespeito pelos outros esconde um sentimento de inferioridade. Quanto mais tomados pelo sentimento de inferioridade, mais queremos mostrar superioridade. Querer ser mais que alguém, com autoritarismo e controle, é uma capa compensatória para a internalização de menos valia. Pessoas que sofreram processos de abandono na infância, que foram muito criticadas, que nunca aceitaram o próprio corpo, seja pela altura, pelo peso, por algum defeito físico, que sofreram abusos sexuais ou morais, ou outra violência, tendem a se sentir inferiores. Um exemplo histórico disso é Adolf Hitler, ultra-inferiorizado por sua estatura e origem pobre. O medo de perder o poder, de perder a imagem de onipotentes que temos de nós mesmos leva-nos a absurdas violências nos relacionamentos. O ciúme é a grande manifestação de tudo isso. Podemos ter coisas, objetos, mas não podemos ter pessoas. A humanidade é detentora de autonomia e liberdade, pela própria natureza. Quanto tentamos dominar alguém, estamos tirando dela a própria alma e reduzindo-a a um objeto ou a um animal. Há 120 anos foi abolida a escravatura no Brasil. Continuamos, porém, no exercício do poder, a estabelecer relações baseadas na diabólica e neurótica concepção de donos e escravos. O exercício do poder compartilhado, do respeito às singularidades de cada pessoa, da participação de todos, do afeto e da simplicidade no trato com nossos semelhantes é o grande avanço das relações familiares, empresariais, políticas e sociais.

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